O RESPEITO É BOM E NECESSÁRIO
O médico Cláudio Balduíno Souto Franzen provocou os profissionais da saúde de forma deselegante e gratuita: “Quem quiser ser médico precisa enfrentar um concorrido vestibular, cursar seis anos de faculdade e outro tanto de especialização. Qualquer cidadão tem o direito de buscar ser médico. O inadmissível é querer atuar como médico sem cursar medicina.”
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Os cidadãos das 14 profissões regulamentadas da saúde abraçaram as suas respectivas formações com amor, carinho e dedicação. Eles têm a missão de servir à vida do outro. Todos prestaram vestibulares (alguns mais concorridos que a medicina) e a maioria cursou uma pós-graduação lato sensu para melhorar a qualidade dos serviços prestados. Os profissionais, médicos ou não médicos, admiram e aplaudem as virtudes que cada um agrega à vida saudável.
Muitos foram além dessa admiração e geraram famílias de profissionais da saúde. Médicos viraram pais de enfermeiros, fisioterapeutas... Fonoaudiólogos casaram-se com psicólogas e geraram médicos talentosos. Pais médicos com filhos, sobrinhos e netos de profissões da saúde. É a verdadeira miscigenação dos profissionais da saúde.
O comentário do Cláudio Balduíno revela uma forma de racismo profissional, que ficaria muito bem para uma pessoa intolerante e despreparada para o convívio multicolorido de uma sociedade pluralista e democrática como a nossa. Os médicos e as médicas que são colegas, amigos, filhos, pais, irmãos, tios, primos, sobrinhos e netos dos profissionais da saúde não merecem que o nome do Conselho Federal de Medicina (CFM) seja usado para insultar e disseminar a discórdia em nossa família.
Lembramos então de algo que nos dignifica e dá sentido às nossas vidas. Era o final de uma paraolimpíada. Um deficiente estava próximo à linha de chegada quando viu o seu concorrente cair. Ele desiste da disputa e vai socorrer o colega. A multidão boquiaberta pergunta: quem era o deficiente ali? É por essa razão que a luta de dirigentes do CFM para subjugar os profissionais da saúde, mesmo que aprovada pelo Congresso Nacional, nunca será vitoriosa. Ao tentar humilhar os profissionais da saúde pelo simples prazer de dominar o outro, esses dirigentes não estarão alegrando e conquistando aqueles que hoje representam. Os médicos são, acima de tudo, seres humanitários e amantes do desenvolvimento humano. Como o competidor paraolímpico, os médicos não aceitam vitórias que ocorrem às custas da queda do outro.
Não queremos ser o que não somos. Gostamos de escrever no peito a profissão que escolhemos para servir e ganhar a vida. Graduados, todos, médicos e não médicos, possuem essa mania de colocar “doutor” antes do nome. Podemos, em respeito ao usuário de nossos serviços, nos chamar apenas de José, Antônio, Maria... médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional. Queremos ser conhecidos pelas virtudes que agregamos à vida, não pelos títulos. Para o paciente interessa apenas que cada profissional aprimore e desenvolva suas habilidades e competências para melhor servir à vida.
Somos uma família de 4 milhões de profissionais vítimas de um sistema de saúde que privilegia a doença em detrimento da vida saudável. Ficamos indignados ao ver 50 milhões de pessoas convivendo com doenças crônicas apesar da jovialidade da população. A revolta é ainda maior quando verificamos que estamos aptos, podemos e queremos trabalhar, mas não temos empregos. Gritamos aos governantes mostrando inúmeros exemplos de países que amariam ter tantos profissionais da saúde prontos para servir. Ficamos desolados com a informação de que uma montanha de dinheiro está sendo gasta com milhões de exames desnecessários, a maioria dos quais nunca são sequer retirados pelos pacientes. Atônitos, assistimos a 80% dos pacientes, que são portadores de doenças crônicas, consumirem toneladas de medicamentos sem efeito.
Certo está que somos todos vítimas (médicos, profissionais da saúde e sociedade) do modelo irresponsável de financiamento e gestão da saúde. No momento em que os profissionais da saúde começam a se organizar politicamente para fazer a grande virada na saúde, os dirigentes do CFM querem nos dividir. Não sabemos os verdadeiros motivos que estão levando esses dirigentes a essa cruzada inglória. Porém, temos duas certezas. Primeiro, os médicos, que vivem do exercício da medicina, sabem com seus valores conquistar a admiração e o respeito do povo brasileiro. Para essa conquista não precisaram de uma lei que lhes garantisse uma reserva de mercado, mas apenas de uma formação sólida. Segundo, precisamos da união de todos os profissionais da saúde, médicos ou não, para implementarmos um novo modelo de gestão da saúde, baseado na promoção da vida saudável. O caminho é forçar que o Estado e as seguradoras contratem e disponibilizem as virtudes dos profissionais da saúde à população.
O CFM é uma das principais instituições desse país e não pode ser instrumentalizado para espalhar o racismo profissional no Brasil. Manifestações acintosas como a de Cláudio Balduíno Souto Franzen deveriam ser retiradas imediatamente do site do CFM.
Gil Lúcio Almeida, ex-engraxate, fisioterapeuta, mestre, PhD e pós-doc. É presidente do Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo.